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O dólar sob ameaça: como estratégia econômica de Trump pode desvalorizar a moeda

Investidores relatam que a moeda americana se tornou um ativo de risco e observam indiferença do governo Trump no caso

Estela Marconi
Estela Marconi

Freelancer

Publicado em 18 de junho de 2025 às 07h02.

A nova estratégia econômica do presidente Donald Trump gerou forte desvalorização do dólar e acendou um alerta entre investidores globais sobre a capacidade dos Estados Unidos de manter sua liderança financeira, segundo análise da Bloomberg.

Desde janeiro, a moeda americana já recuou mais de 10% frente ao euro, à libra e ao franco suíço, além de acumular perdas diante de todas as principais moedas globais.

Diferentemente de períodos anteriores de enfraquecimento do dólar, desta vez o movimento não é resultado de política monetária expansionista, como em 2010, quando o Fed passou a imprimir dinheiro em uma tentativa de conter os efeitos da crise financeira.

Agora, o que afasta o capital estrangeiro são os próprios pilares da política econômica de Trump: tarifas generalizadas que afetam cadeias globais, uma reforma tributária que ampliaria o déficit público, pressão sobre o Federal Reserve para reduzir juros e ameaças legais contra opositores.

Indiferença de Trump sobre a instabilidade do dólar

Investidores e analistas perceberam uma certa indiferença do governo diante da queda da moeda. Embora autoridades reafirmem o compromisso com um “dólar forte”, como manda a tradição, na prática, há poucos sinais de ação para conter a tendência.

Ao contrário: há indícios de que a Casa Branca vê na desvalorização cambial uma ferramenta para estimular a competitividade da indústria americana, barateando exportações e encarecendo importações.

Entretanto, com um déficit orçamentário superior a US$ 4 trilhões por ano e dívida em expansão, os EUA dependem dos investidores estrangeiros para financiar seus gastos. Quanto mais o dólar se desvaloriza, menor o retorno real desses investidores ao converterem seus ganhos para suas moedas locais, reduzindo o interesse por ativos americanos.

“Trump está definitivamente brincando com fogo”, afirmou Stephen Miller, consultor da GSFM, gestora ligada à CI Financial, da Austrália. Segundo ele, se o cenário se deteriorar, os investidores podem começar a repatriar recursos, elevando os juros exigidos para financiar a dívida americana e agravando tanto a desvalorização cambial quanto o custo fiscal. Esse ciclo vicioso pode rapidamente sair do controle.

A visão de que o governo pode estar tolerando, ou até mesmo incentivando, um dólar mais fraco é compartilhada por especialistas renomados, como Jeffrey Gundlach, da DoubleLine Capital, e Paul Tudor Jones, um dos ícones dos hedge funds, que afirmam que o dólar deve cair ainda mais. Jones prevê uma desvalorização adicional de 10% em 12 meses, impulsionada pelo crescimento da dívida e da conta de juros dos EUA.

Forte no passado

Para a maioria dos analistas de Wall Street, espera-se uma queda contínua da moeda americana frente a pares como euro, iene, libra e dólar canadense. O Morgan Stanley projeta retorno aos níveis da pandemia até 2026. O Goldman Sachs avalia que o dólar está 15% acima do seu valor justo.

No mercado futuro, as apostas contra o dólar se multiplicaram desde a posse de Trump. Dados da CFTC mostram que os fundos chegaram a uma posição líquida vendida de quase US$ 16 bilhões em junho. Um levantamento do Bank of America apontou que gestores globais estão com a menor exposição à moeda americana em duas décadas.

Há também uma mudança na percepção de risco. Tradicionalmente, os títulos do Tesouro dos EUA são vistos como ativos livres de risco. Mas, desde o anúncio das tarifas, investidores passaram a tratá-los como ativos voláteis, negociando-os em conjunto com ações.

“Uma vez que isso começa, é muito difícil colocar o gênio de volta na garrafa”, disse Leah Traub, gestora da Lord Abbett.

Apesar disso, não há substituto imediato para o dólar como moeda de reserva global. “A pergunta é: o que comprar no lugar?”, disse Daniel Murray, do EFG International. “Não há muitos mercados com a profundidade e liquidez necessárias.” Por isso, mesmo com turbulências, a moeda americana segue dominante.

Recentemente, o dólar até ensaiou alguma recuperação, após o ataque de Israel ao Irã gerar incertezas geopolíticas. Ainda assim, segue abaixo do patamar de antes da reeleição de Trump. O Tesouro americano argumenta que, apesar da queda recente, o dólar está mais forte que a média dos últimos 40 anos.

A proposta, segundo o Escritório de Orçamento do Congresso (CBO), deve adicionar quase US$ 3 trilhões ao déficit americano na próxima década. Mesmo se rejeitada, a situação já preocupa: a dívida pública chegou a US$ 29 trilhões — o equivalente a quase 100% do PIB, contra 72% há dez anos. Em maio, a agência Moody’s retirou o último selo de crédito AAA dos EUA, citando o aumento insustentável dos déficits.

Para Stephen Miller, o risco é que um ajuste ordenado se transforme em crise. “Uma desvalorização gradual e controlada da moeda pode, num país tão dependente de financiamento externo como os EUA, se converter rapidamente em pânico”, completou.

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